Sustentabilidade e Espiritualidade: Como as religiões afro-brasileiras integram práticas ecológicas nos rituais

Entrevista com espiritualista revela como o Candomblé e a Umbanda podem adaptar suas oferendas para promover o cuidado com o meio ambiente sem perder a essência simbólica e espiritual.

31/12/2024 às 10h31 Atualizada em 31/12/2024 às 10h59
Por: Redação SP
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Foto/Reprodução: Ilustração/Imagem em Pesquisa Google
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Em um mundo cada vez mais consciente da necessidade de preservar o meio ambiente, as religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, têm se destacado como exemplos de respeito à natureza. Ao longo de séculos, os rituais dessas religiões mantiveram uma forte conexão com as forças naturais, personificadas nos Orixás, que são vistos como manifestações da própria natureza. Em uma entrevista exclusiva, o Babalawo Vitor Friary compartilhou como as práticas religiosas podem ser ainda mais sustentáveis sem perder sua essência espiritual. De oferendas feitas com materiais biodegradáveis a ações concretas que promovem a conscientização ecológica dentro dos terreiros, ele explica como essas tradições podem ajudar a combater preconceitos e inspirar um cuidado maior com o planeta.

  • Super Life: Como as religiões afro-brasileiras podem incorporar práticas mais sustentáveis nas oferendas sem perder a essência espiritual e simbólica dos rituais?
  • Babalawo Vitor Friary: As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, já possuem um vínculo profundo com a natureza. Os Orixás são manifestações das forças naturais e a atitude de incorporar práticas sustentáveis é, portanto, uma extensão desse respeito intrínseco ao meio ambiente. Para manter a essência espiritual dos rituais, é essencial compreender que o poder das oferendas está na intenção e na energia transferida ao ritual, e não somente no material físico utilizado.
    Uma abordagem sustentável começa pela conscientização dentro dos terreiros, promovendo o uso de materiais que sejam biodegradáveis. Oferendas que utilizam itens industrializados não fazem muito sentido. A força do axé está na própria natureza, e portanto em materiais que saem da natureza. É crucial pensar na substituição de elementos que impactem negativamente o meio ambiente. Por exemplo, ao invés de garrafas plásticas para armazenar bebidas, podem ser usadas cabaças ou recipientes de barro, ou até mesmo regar as oferendas com o líquido descartando a garrafa em si de plástico após a oferenda no lixo. Nesse caso é o líquido que têm significado ancestral e não a embalagem da bebida. Além disso, é possível redirecionar as oferendas para espaços naturais privados ou áreas designadas para práticas religiosas, onde o impacto ambiental é minimizado, e os elementos naturais podem cumprir seu ciclo sem interferência.
  • Super Life: Quais materiais ou práticas o senhor recomenda para realizar oferendas de forma mais ecológica, respeitando tanto a tradição quanto o meio ambiente?
  • Babalawo Vitor Friary: Utilizar recipientes de barro ou cabaças ao invés de pratos descartáveis ou garrafas plásticas. Esses materiais, além de serem biodegradáveis, têm valor simbólico profundo na cosmovisão africana. Priorizar frutas, folhas, flores e elementos que são rapidamente absorvidos pela natureza. Ao escolher as frutas, opte por aquelas que podem ser deixadas em locais onde servirão de alimento para os animais. Substituir velas comuns por velas de cera de abelha ou feitas de materiais naturais, que geram menos impacto ao queimarem e não deixam resíduos tóxicos.  Para rituais em que é necessário deixar oferendas em locais públicos, pode-se instruir os participantes a coletar os resíduos após o ritual, preservando a simbologia e evitando danos ao espaço natural, ou deixando os elementos que mais facilmente se dissolvam no local ao invés de lixo que vão ser coletados por outras pessoas.

    Práticas como a utilização de folhas de bananeira no lugar de papéis ou plásticos, e a reintegração de objetos à terra, como o retorno de oferendas de Oxóssi para o meio da floresta, exemplificam uma conexão consciente entre tradição e sustentabilidade. 
  • Super Life: Como iniciativas sustentáveis nas religiões afro-brasileiras podem ajudar a combater preconceitos e promover uma maior conscientização ambiental na sociedade?
  • Babalawo Vitor Friary: A adoção de práticas sustentáveis reforça a legitimidade das religiões afro-brasileiras, demonstrando o compromisso dessas tradições com o cuidado e respeito pela natureza. Isso pode desmontar discursos preconceituosos que associam os rituais a práticas poluentes ou "descuidadas".  Ao liderar campanhas que promovam práticas ecológicas, terreiros podem se tornar exemplos de como integrar espiritualidade e sustentabilidade. Essas iniciativas também têm o potencial de levar a mensagem dos orixás para a sociedade e promover um diálogo mais amplo com todos sobre a importância de preservar o meio ambiente. Além disso, ações como mutirões de limpeza em praias e parques após celebrações, ou projetos educacionais sobre ecologia dentro dos terreiros, podem estreitar os laços entre as comunidades religiosas e o restante da sociedade, mostrando que essas práticas têm um impacto positivo não só espiritual, mas também ambiental e social.  Ao preservar a natureza, as religiões afro-brasileiras reafirmam que os Orixás, enquanto forças vivas da natureza, nos ensinam que a vida é interconectada, e que cuidar do meio ambiente é cuidar do próprio axé.

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