Na vitrine do horário nobre, onde a ficção há muito se mistura com a realidade e invade a casa de milhões de brasileiros, a Rede Globo recusou a história que Gloria Perez preparou para a grade de novelas mais importante da casa: 21h. Um aborto sem consentimento fez encerrar-se, sem aplausos, uma parceria de mais de quatro décadas entre a autora e a emissora que a consagrou.
Gloria não é novata em provocar debates. Já abordou tráfico humano ("Salve Jorge"), xenofobia ("América"), transição de gênero ("A força do querer"), clonagem ("O clone") e até maternidade de substituição ("Barriga de aluguel"). Sempre cercada por controvérsias, nunca fugiu das discussões. Porém, dessa vez, o incômodo foi maior. Não para ela, mas para os que decidem o que pode ou não chegar aos telespectadores.
A recusa da sinopse levanta uma pergunta que pertuba bem mais do que o próprio veto: por que, em 2025, o aborto ainda é um tabu na dramaturgia apresentada na TV aberta? O Brasil, país de contrastes, escancara, diariamente, sua violência com naturalidade nos telejornais sensacionalistas, mas se retrai quando o assunto toca nos direitos e escolhas das mulheres. Um silêncio que grita.
Ao deixar a emissora carioca, Gloria não encerrou apenas um contrato. Ela imprimiu sua coragem e autonomia. Reafirmou seu compromisso de não apenas entreter, e sim gerar reflexões. E se não há mais espaço na maior emissora do país, talvez seja hora de buscar outras janelas.
A Globo, por sua vez, sinaliza um novo tipo de censura: a busca pela neutralidade com medo da rejeição. Ou seja, uma televisão que hesita em tocar em feridas.
Gloria sai de cena, perde sua trama, e o país sua capacidade de evoluir. Afinal, vivemos um drama da vida real que precisa ser vetado: o retrocesso.