Há duas semanas no ar, o remake de "Vale tudo" tem nos oferecido o que na televisão, atualmente, está cada vez mais raro: motivos para discussões e reflexões. Não apenas a novela em si, mas o país como um todo. E no centro deste jogo, duas mulheres continuam, 37 anos depois, de lados opostos: Raquel e Maria de Fátima.
Raquel, o coração ético da história. A mulher que encara desprezos por resistir a uma dignidade que, hoje em dia, parece ultrapassada. Em 2025, Taís Araujo, brilhantemente, carrega a mesma essência da personagem eternizada por Regina Duarte em 1988. O tempo passou, porém, a Raquel de hoje vive o mesmo dilema que a do final dos anos 1990 viveu: vale a pena ser honesto no Brasil?
Fátima, por sua vez, é o retrato puro e simples da ambição. Se em 1988, por fama e fortuna, vendeu a casa e despejou a própria mãe, agora vê neste projeto a ascensão de uma marca pessoal. E o público responde com fascínio e repulsa. Talvez porque a vê como uma caricatura de sucesso desconectada de qualquer senso de justiça.
O novo texto de Manuela Dias é tão direto e afiado quanto o de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Oferece a seus atores confrontos intensos e olhares que dizem tudo o que os diálogos não precisam repetir. Ainda que o público já conheça a história, a tensão entre Raquel e Fátima (como gosta de ser chamada) se renova como se estivéssemos vendo tudo pela primeira vez. No entanto, a cobrança, impulsionada pelas redes sociais, é bem maior.
Contudo, é cedo. São poucos dias para uma avaliação mais cirúrgica. Ainda nem temos Odete Roitman. Aliás, se nada mudar, Debora Bloch deve surgir como a grande vilã no capítulo 24. Entretanto, algumas atuações vêm dividindo opiniões.
Bella Campos, que recebeu críticas antes mesmo da novela começar, é ovacionada por uns e descartada por outros. A atriz, inevitavelmente comparada à Gloria Pires, ainda precisa encontrar um caminho, principalmente nas cenas em que o tom blasé, adotado desde o início, não cabe. Mas, ainda sim, faz um trabalho correto. Paolla Oliveira, que interpreta a inesquecível Helena Roitman, é tão competente quanto Renata Sorrah, mas ainda não deu ao público o que ele mais espera: as cenas de embriaguez.
Já Alice Wegmann e Alexandre Nero fazem de seus personagens o ponto alto da trama. Solange (até hoje vista como parte de Lídia Brondi) é defendida, magistralmente, pela jovem atriz. Marco Aurélio (vivido por Reginaldo Faria na primeira versão) caiu como uma luva para o ator, um dos melhores de sua geração. E falemos de Taís Araujo, que tem encantado e arrancado elogios do público desde as primeiras cenas.
“Vale tudo” tem inúmeros motivos para reconquistar os noveleiros e devolvê-los o prazer de assistir folhetim na TV, perdido há tempos com narrativas frágeis e desconexas. Entre tapas, filtros e selfies, o Brasil segue se questionando: vale ser Raquel em um mundo feito para Marias de Fátima?